A mulher que não tem filhos é egoísta?
A gente vê o machismo enraizado quando o argumento para criticar a participação da cachorrinha (que eu adorei, diga-se de passagem) na posse presidencial, levada pela primeira-dama Janja, é chamar de egoísta a mulher que não tem filhos (Janja não tem).
Seria egoísta porque não estaria disposta a “abrir mão de metade da vida para ter um filho”. É um argumento que consegue, a um só tempo, ser raso, machista e inconsistente.
A ideia de que só se é completa tendo um filho é unicamente destinada às mulheres, nunca aos homens. Para além disso, ter filho, a despeito das renúncias que criar uma criança demanda, não deveria obrigar a mulher a “abrir mão de metade da vida”, como um fardo que se carrega. E que fardo é porque a sociedade não ampara a mulher, culpabilizada se é mãe ou se não é.
A maternidade, se desejada, é potente. Para que assim seja, luta-se pelo poder de escolha da mulher: pelo acesso aos métodos contraceptivos, pelo direito da escolha, pela autonomia do seu próprio corpo, por políticas públicas que garantam dignidade para mães e filhas/os.
As mulheres são socializadas com a ideia de maternidade compulsória, ou seja, maternidade como destino certo que lhe confirma sua feminilidade, como ensina Beauvoir. Experimente dizer que não quer ser mãe e verá a tentativa de convencimento acontecer.
A maternidade compulsória é isso: obriga a mulher a manter a engrenagem da sociedade tendo filhos, sob pena de decidir diferente disso e ser tachada de egoísta, mas não move uma palha em prol da vida digna das mesmas mulheres e crianças. As 11 milhões de mães solo no Brasil sabem melhor do que eu.
Sugestão pra aprofundar no tema “maternidade compulsória”: ep 8 do meu podcast Não te empodero, disponível no Spotify e Google Podcasts.