Maria Carol Medeiros

Lugar da mulher é onde ela quiser?

Matéria da Folha de S. Paulo diz que uma headhunter estadunidense elevou a contratação de mulheres em cargos com altos salários ao retirar os dados de idade, estado civil e “gênero” (pra usar os termos citados).

Por que mesmo participando do mercado de trabalho, a mulher continua em situação de desvantagem?

Beauvoir ([1949] 2019) aponta que mesmo ante o avanço do feminismo e o encorajamento ao estudo, da mulher sempre exige-se outro tipo de realização: que antes de tudo ela SEJA uma mulher, que não perca sua feminilidade. A oposição entre o trabalho fora do lar e feminilidade como coisas que não combinam é histórica, e vemos as marcas até hoje.

Foi apenas em 1962 (ONTEM!) que criou-se o Estatuto da Mulher Casada, que mesmo com este nome, submetendo a mulher ao estado civil, passou a lhe conferir alguma emancipação na vida conjugal, possibilitando-lhe exercer uma profissão sem autorização do marido.

Mesmo em tempos em que ganhava força o discurso da emancipação feminina, como no pós-guerra, Carla Bassanezi (2002) recorda que findo conflito, campanhas pregavam a volta da mulher ao lar, bem como uma retomada dos valores tradicionais da sociedade. Ou seja, trabalho era mesmo coisa de homem, que seria desempenhado pela mulher apenas quando fosse estritamente necessário (aqui cabe lembrar o recorte sobre mulheres brancas – as negras sempre trabalharam, primeiro escravizadas, depois na casa das brancas).

À mulher que trabalhasse fora caberia desempenhar papéis que não rivalizassem com o do “chefe da casa”. Claro, se a vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica são marcas de feminilidade, fora do recinto do lar a mulher ideal, constituída por características “próprias da feminilidade, como instinto materno, pureza, resignação e doçura” (BASSANEZI, 2002, p. 609), correria o risco de “embrutecer”.

Não se iludam: apesar de hoje ser muito mais comum mulheres trabalharem fora, este permanece o não-lugar. O que é demonstrado claramente com assédio, desmoralização, desigualdade salarial e falta de políticas públicas que possibilitem que a mulher, principalmente que seja mãe, tenha condições de exercer sua profissão.

Folha de S. Paulo, 09/07/21.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, vol. 2.
BASSANEZI, Carla. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org), BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 607-637.