Maria Carol Medeiros

Nudez e empoderamento

Terminei agora a mais recente biografia sobre Beauvoir, da autora Kate Kirkpatrick, e só então entendi a história desta foto – e não fiquei contente. Ela retrata Simone de Beauvoir aos 44 anos, em 1952, foi tirada pelo fotógrafo Art Shay numa das idas da filósofa aos Estados Unidos. A foto está no livro Tête-à-Tête, outra biografia, desta vez com enfoque na relação entre Beauvoir e Sartre, da inglesa Hazel Rowley.

Em 2008 a foto foi publicada pela revista Le Nouvel Observateur, para celebrar o centenário do nascimento de Beauvoir. Considerando que ela atuou em prol de campanhas pra tornar ilegais imagens explícitas de mulheres, causa desconforto saber que essa foi a escolha pra homenageá-la. Achei que valia compartilhar a história com vcs.

Para Beauvoir, uma das barreiras ao amor autêntico é que as mulheres foram tão objetificadas que passaram a se objetificar também, tentando se identificar com seu amado homem e se tornar mais desejáveis aos seus olhos. Muitas mulheres são usadas como instrumentos do prazer masculino, e não como sujeitos cujos desejos e prazer são levados em consideração.

Também vale pensar: que corpos nus femininos são exaltados? Para Djamila Ribeiro, ao passo que a mulher gorda, escura demais (nas palavras dela) é marginalizada, precisamos pensar como o nu feminino só interessa se atende aos padrões de consumo. E perceber: qual é o interesse de colocar como moralistas, amarguradas, mulheres que questionam esta objetificação? Encerra-se o debate sem promover uma discussão séria.

Audre Lorde fala do erótico como um tipo de poder, um recurso dentro de cada uma de nós, fonte de informação, um senso interno de satisfação, cujo significado foi subvertido, distorcido em prol de perpetuar a opressão contra mulheres. Para ela, confundimos o erótico com o pornográfico, mas são coisas absolutamente opostas, sendo a pornografia “uma negação direta do poder do erótico, pois representa a supressão do verdadeiro sentir”, usada em benefício dos homens. Segundo Lorde, a palavra erótico vem do grego eros, personificação do amor em todos os aspectos. Assim, ela fala de erótico como uma afirmação da força vital das mulheres – e isso nada tem a ver com o uso do corpo feminino em benefício de uma indústria pornográfica ou mesmo com selfies promovidas por algoritmos, exibindo-nos seminuas para o prazer masculino e nos fazendo acreditar que a força vital está no poder de um like.

As mulheres, diz Lorde, “são mantidas numa posição distante/inferiro para serem psicologicamente ordenhadas, mais ou menos da mesma forma que as formigas mantêm colônias de pulgões para fornecer uma substância doadora-de-vida para seus mestres”.

Fomos convencidas de que nos empoderamos mostrando nossos corpos. Defendo o direito de fazê-lo, de usar roupa decotada sem ser perturbada, de se exibir quanto quiser sem que se diga que “estava pedindo para ser estuprada”. Mas não posso concordar que seja empoderamento quando o nu só é validado em uma circunstância: como mercadoria, voltado ao prazer e ao olhar masculino.

Referências:

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, volume 2.
KIRKPATRICK, Kate. Simone de Beauvoir, uma vida. Ed. Planeta do Brasil, 2020.
LORDE, Audre. Os usos do erótico: o erótico como poder.
RIBEIRO, Djamila. Negar o erótico como força vital é impor às mulheres o papel de submissas. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2021/04/negar-o-erotico-como-forca-vital-e-impor-mulheres-a-papel-de-submissas.shtml